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A minha causa perdida

Por:

Dr. Victor Soares

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16/03/2023

Acredito que para realizar um bom trabalho, em qualquer área que seja, somos provocados a pisar em terrenos desconhecidos, que não tivemos devido preparo mas que a rotina acabou impondo a necessidade do desenvolvimento de certas habilidades. 

Além da psicologia, que sem dúvidas é o que mais preciso aprender e usar no meu dia-a-dia com atendimento ao público, eu me sinto constantemente advogando.

Transmitir, negociar, argumentar, sugestionar, convencer, consolar; são habilidades de comunicação que misturadas e resumidas são o brasileiríssimo “jogo de cintura” que nós veterinários também precisamos ter. 

Se não é uma caraterística congênita, aprende-se com o tempo para conseguir lidar com mães e pais de pets em descompensação emocional. 

Eu não nasci com essas habilidades, mas me importei em desenvolvê-las quando vi que seria constantemente questionado e refutado. Teria que provar meu ponto, provar que sei o que estou falando, que tenho experiência e que estudei bastante para poder dizer aquilo que estou dizendo.
Apesar de hoje saber me comunicar melhor, já perdi diversas vezes em alguma divergência de idéias com tutores, mas sempre com muita paciência e respeito apresento meus argumentos.

Todo dia me vejo na posição de advogar em uma causa, como realizar uma cirurgia em um paciente idoso, aderir a quimioterapia, iniciar uma dieta, realizar uma ressonância magnética, não passear na rua sem as primeiras vacinas, não dar sobras de churrasco, entre outras mil. 
Só tem uma causa que considero perdida e que confesso não ter mais energia para argumentar.
Não sei dizer quantas centenas de vezes me deparei com o mesmo cenário, tentei convencer os tutores mas meus esforços foram em vão.
É a castração de um cão macho, do tutor machão.

Quando o tutor homem tem na sua cabeça que seu cachorro não deve ser castrado para preservar sua virilidade e sexualidade, nem o mais persuasivo dos veterinários é capaz de convencer do contrário. 

Não posso generalizar pois fazemos muitas castrações de machos de tutores homens  responsáveis que absorvem e atendem todas nossas orientações.
Mas não raramente aparecem os machões donos de cães machos que iniciam sua justificativa dizendo que seu cachorro precisa “transar” pelo menos uma vez na vida. 

Essa costuma ser a primeira de uma avalanche de incoerências que hoje em dia mal tento contrapor. 

“Cachorro meu não vai ficar sem bola”; “Coitado, precisa sentir esse prazer pelo menos uma vez na vida”; “Ele não pode morrer virgem” 
São alguns dos argumentos estúpidos que escuto dos machões que projetam em seus cães suas vontades e necessidades.

Eles se esquecem, porém, que vaidade e luxúria não fazem parte dos pecados capitais caninos. São “privilégios” do ser humano e eles não gastam tempo se importando com sua vida sexual.

O comportamento reprodutivo dos cães é completamente instintivo. Eles não copulam pelo prazer, muito menos por status ou pela repercussão social que isso pode gerar. Se reproduzem por que a natureza manda, são guiados pela ação hormonal num ato quase que involuntário. 

Os cães não perdem tempo pensando “poxa vida queria tanto uma chance com aquela Dálmata da pracinha” ou “que tristeza, aquele Border Collie que conheci já cruzou cinco vezes e eu nenhuma”. 

No mundo canino não existe julgamento e discriminação assim como não existe necessidade de auto afirmação, busca por status e relevância social.
Mas quem realmente se importa com isso são esses tipos de tutores que dão tanta relevância a esse assunto parecendo até que a cópula do cachorro seja muito mais satisfatória para eles mesmos do que para o próprio cão. 

Falo por larga experiência em tentativas de convencer a realizar a castração, que esses tutores são invariavelmente convictos de suas posições e refratários a qualquer justificativa científica sobre prevenção de câncer ou afecções de próstata. 

Para ilustrar como um ego frágil pode influenciar na saúde e qualidade de vida de um animal, pegue como exemplo um paciente que eu atendia chamado Tyson. Era um Bulldog Francês que de tempos em tempos reaparecia para consulta sempre com o mesmo quadro de dermatite de contato nos testículos.
A pele do saquinho dele inflamava e criava uma ferida por conta do contato com produtos de limpeza do piso onde morava.
O tutor, descontente, reclamou que toda hora a dermatite no saquinho ficava voltando e não aguentava mais tratar.
Eu dizia que a melhor solução para não ter mais dermatite nos testículos seria… Não ter mais testículos. Sem contar todos outros benefícios para a saúde dele.
Mas para o tutor a ideia de castrá-lo soava tão absurda quanto jogar o cachorro da varanda do apartamento.
“De jeito nenhum vou deixar tirar as bolas do meu cachorro”.
Mas o tratamento não era efetivo pois ele não passava a pomada que eu prescrevia.
"Pô, você não quer que eu fique encostando no saco do cachorro né?!”
Até que prescrevi um tratamento com spray.
"Opa, agora sim dá pra cuidar, eu não ia ficar passando o dedo”. 

Posse responsável também é sobre ouvir o veterinário. É sobre pensar no que é melhor para o animal e não transferir para ele as nossas obsessões.
Mas confesso frustrado, jogando a toalha branca da desistência, que a preguiça e decepção são tão grandes, que essa é sem dúvida a minha causa perdida. 

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