NOVIDADES, ARTIGOS E DICAS

Ursinho, Marley e a anestesia no paciente idoso.

Por:

Dr. Victor Soares

|

09/05/2023

Esse é o Ursinho, um paciente de 20 anos (segundo sua família) que é cuidado pela equipe aqui do Vet Domus. O caso do ursinho levantou um debate interessante que nos deparamos com frequência.

Ele é um senhorzinho com o combo completo do paciente sênior. Tem poliartrite, é cardiopata e insuficiente renal, precisa de diversos cuidados e medicações diárias.
Apesar da idade avançada, tem uma saúde relativamente boa, gosta de andar e cavar buracos.
Nas últimas semanas começou a ficar com apetite seletivo e comendo menos, o que não é normal para ele, e foi assim que descobrimos um tumor dentro da boca, causando incômodo e diminuindo sua vontade de comer.
Após rodar uma bateria completa de exames e ser reavaliado pela cardiologista e pelo oncologista nos encontramos em um impasse. 
A indicação do oncologista era a intervenção com eletroquimioterapia para controle da dor e do crescimento tumoral. Mas os exames indicavam um elevadíssimo risco anestésico. Seu coração é muito fraquinho e qualquer diminuição de pressão arterial seria muito difícil de reverter. O risco seria grande, o cenário mais seguro seria não anestesiá-lo.
Cientes do risco anestésico teríamos (nós e a família) uma escolha a fazer.
Realizar a anestesia e a intervenção cirúrgica mesmo diante das grandes possibilidades de não dar certo; ou não intervir e deixar seguir o curso natural da doença, que seria o crescimento do tumor até o iminente óbito por não conseguir comer.
Já passei por cenários como esse centenas de vezes e posso dizer que a grande maioria das famílias opta por não operar. Existe uma insegurança em relação à cirurgia até mesmo em animais saudáveis. Casos de cães de 8 ou 9 anos super brincalhões e saudáveis que precisam de alguma cirurgia como retirada de pedras da bexiga ou uma biópsia, e escuto sempre algo como “Mas ele já não está muito velhinho para ser operado?”.

Nos últimos anos a medicina veterinária vem avançando muito e hoje temos o privilégio de ter mais recursos para garantir uma melhor monitoração do paciente. Um bom centro cirúrgico com aparelhos modernos e boa capacitação profissional são pontos fundamentais para que possamos fazer cirurgias seguras e proporcionar aos nossos pacientes mais anos de vida boa e saudável.
No caso do Ursinho, se ao não fazer nada o óbito seria iminente, por que não fazer uma tentativa? Se tivéssemos sucesso ele poderia se recuperar, ganhar um tempo de expectativa e qualidade de vida.

Assim foi optado pela família e pela equipe, ele passaria pela eletroquimioterapia.
O procedimento foi feito sem intercorrências, ele ficou 3 dias internado em recuperação, agora segue estável e voltou a comer com bastante apetite.
Podia ter dado tudo errado e ele ter vindo a óbito, mas a família estava ciente e queria proporcionar a ele a tentativa de se recuperar. Valeu a pena encarar o medo e arriscar. Mais um caso de sucesso! 

Outro exemplo que lembro com alegria é do da Mel, uma Poodle de 18 anos, com alguns tumores de pele, que mesmo sendo benignos cresciam em ritmo acelerado, já estavam tomando proporções grandes, cursando feridas, incômodo, cheiro ruim e demandando a realização de diversos curativos.
A sua tutora a trouxe para passar comigo para uma segunda opinião. Mas a opinião que ela buscava era sobre o que podíamos fazer em relação ao tratamento tópico, com pomadas, curativos e etc, pois para ela a cirurgia era completamente descartada. A outra veterinária que a acompanhava disse que era inviável operá-la “por causa da idade”. Disse que não dava para fazer cirurgia em uma cachorra de 18 anos.
Após muita conversa, convenci de realizar os exames só para avaliar o risco anestésico.

Nos exames da Mel não foi constatado nenhum problema! Ela tinha pleno funcionamento cardíaco, hepático, renal, gastrointestinal. Tudo funcionando bem. Ou seja, o risco ainda era baixíssimo.
Alguns dias e longas conversas depois fizemos a cirurgia da Mel. os tumores foram retirados e ela conseguiu viver bem, sem os nódulos e feridas que a incomodavam há quase dois anos.
Mais um caso que valeu a pena encarar o mito popular e fazer o tratamento mais correto. 

Uns meses depois ela ainda teve um problema oftálmico grave que necessitou de outra intervenção cirúrgica. Com mais confiança após a primeira cirurgia ter acontecido sem nenhuma intercorrência, ela foi submetida à intervenção cirúrgica do olho também conseguindo um tratamento completo e eficiente.
Duas cirurgias realizadas com bastante cautela e preparo, que promoveram bem estar à uma paciente que podia ter ficado meses ou anos mal, com baixa qualidade de vida por consequência de uma insegurança.
O caso do ursinho e da Mel tem suas semelhanças e algumas diferenças importantes. Ambos têm idade avançada,  porém a Mel não tinha nenhum sinal de descompensação fisiológica. O organismo dela funciona direitinho e apesar dos 18 anos o risco era pequeno. Já o ursinho além dos 20 anos tinha o funcionamento ineficiente do organismo. Porém os dois foram operados e ambos tiveram sucesso na cirurgia, com plena recuperação pós operatória, que me traz uma satisfação indescritível de poder cuidar deles da melhor forma possível.
Nos últimos tempos sinto uma mudança e percebo mais adesões aos tratamentos nos nossos pacientes idosos e espero que possamos cada vez mais realizar os tratamentos completos aos pacientes para que consigam viver bem pelo maior tempo possível.

E o que o Marley do livro tem a ver com isso?

Para quem não lembra, Marley e Eu é um livro, e também um filme, que fez muito sucesso no final dos anos 2000 em que conta a história da relação de uma família com o seu cão, Marley, um labrador amarelo que depois de viver uma vida intensa com muitas histórias engraçadas teve um episódio de torção gástrica aos 13 anos.
A torção gástrica é uma doença comum em cães de grande porte, em que há literalmente uma torção do estômago e simplificando, o tratamento necessário é a reposição do estômago para o posicionamento correto por cirurgia.

Foi contado no livro (e no filme na cena que levava qualquer espectador às lágrimas) que julgaram ser um procedimento muito invasivo e complicado para ele e pela idade avançada o risco seria muito alto, não “valeria a pena”.
Não tentaram fazer o procedimento cirúrgico e ele foi eutanasiado.

Podemos levar em consideração que o ano era 2003 e a medicina veterinária mudou muito nos 20 anos até aqui. Talvez a veterinária não se sentiu segura ali no momento, não tinha a segurança anestésica que teria hoje ou nem a capacidade técnica necessária; ou mesmo a família estava assustada demais com toda a situação. Muitos fatores podem levar à decisão  de não operar e é difícil julgar aqui vinte anos depois, mas em uma análise fria do quadro, acredito que a história do Marley podia não ter terminado ali naquela torção. Não era uma doença terminal, era uma condição complicada em que ele se encontrava mas passível de tratamento.
O procedimento sequer foi tentado, negaram à ele a possibilidade de um tratamento e recuperação. 

Lembro da paciente mais velha que já atendi com uma torção gástrica, se chamava Elektra, uma São Bernardo de 14 anos. Só por ser São Bernardo e ter 14 anos já surpreendia. Não é uma raça que costuma viver tanto assim. Ao diagnosticar a torção e constatar a necessidade de cirurgia, o procedimento foi imediatamente autorizado pela família. Ou tentávamos operar, ou aceitávamos o óbito iminente dela. Foi operada, ficou internada durante quatro dias em cuidado pós operatório e foi para casa ótima. 
A história da Elektra ganhou só mais um capítulo e não um ponto final.

ATENDIMENTO 24H

11 3034-0373