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“O que uma rottweiller comendo carne crua no instagram me fez pensar sobre nutrição"

Por:

Victor Soares

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14/12/2022

Hoje em dia o algoritmo do Instagram parece nos conhecer melhor que nós mesmos ou nossos melhores amigos. O meu não é diferente e está sempre sugerindo conteúdos que me interessam bastante e me fazem perder longos minutos vendo fotos e vídeos de.... Cachorros, é claro! Cachorros de raça, sem raça, do Brasil, do exterior, fazendo truques, trapalhadas e todo tipo de coisas impressionantes.

É claro que o fato de ser veterinário me torna um alvo fácil para o crescente mercado dos pet influencers, mas estou longe de ser o único. Segundo uma pesquisa feita pelo Insurance Information Institute em 2021, 30% dos americanos seguem algum perfil de bichinho nas redes sociais. A popularidade desses perfis ajuda a tornar o ambiente das redes sociais menos pesado, e alavanca o mercado pet. É muita gente produzindo e consumindo uma enorme quantidade de fotos, vídeos e posts, dos mais fofinhos aos mais técnicos, que exploram todos os aspectos possíveis da vida de um animal de estimação. Muitos desses conteúdos são interessantes, e trazem novidades até para profissionais gabaritados da área. Outros deixam os veterinários roendo as unhas de tanta aflição, e é justamente sobre eles que eu queria conversar com vocês.

Semana passada, um vídeo em específico me chamou tanto a atenção que fiquei hipnotizado por ele durante vários minutos.
Nele, uma Rottweiller imponente com a cabeça grande e quadrada salivava intensamente enquanto esperava sua refeição ser servida. O prato em questão era 100% composto por comida crua, incluindo pescoço de galinha, rúmen, gordura de cabra, sardinha e melancia... Tudo misturado. Um segundo vídeo mostrava essa mesma cachorra — toda obediente — devorando o banquete após receber o comando de autorização do tutor.
A primeira sensação que tive foi de nojo, A cena da cachorra engolindo sem mastigar um rúmen que mais parecia um pano de chão usado me deixou com o estômago embrulhado. A cena era tão aflitiva que tive que mostrá-la a alguns colegas de trabalho, que compartilharam da minha angústia. A dra. Monique Sobrenome, especialista em nutrição animal aqui do Vet Domus, mal conseguia olhar para a tela. “Meu
Deus! Que nojo! Por que as pessoas fazem isso?”.

Longe de apresentar o caso isolado de um tutor sem noção, o vídeo em questão é só mais um conteúdo viral de cães ingerindo as famosas e polêmicas raw foods (em bom português, comida crua). A moda da raw food — ou da raw meat (carne crua) — é uma “novidade” que tem ganhado força nos últimos tempos. Volta e meia, um tutor pergunta sobre isso durante as consultas, ou revela que vem aplicando a técnica em casa. Em alguns casos, a intenção por trás da raw meat é incentivar um comportamento “primitivo” nos cães, aproximando-o de seus ancestrais selvagens. Em outros, a opção pela raw food vem de uma percepção equivocada de que a ração convencional conteria “muita química”, causaria câncer e reduziria a expectativa de vida de cães e gatos.

Eu entendo perfeitamente que a gente sempre seja levado a ter uma postura de ceticismo em relação à indústria. De fato, é comum que grandes marcas vendam produtos que só pesquisando a fundo descobrimos que são extremamente prejudiciais à nossa saúde. A preocupação dos tutores com as rações industrializadas certamente vem daí. No entanto, é preciso avaliar as evidências científicas para tirarmos conclusões, pois ainda não houve nenhuma comprovação de que uma dieta crua pode ser segura e eficaz.

A verdade é que fornecer ao seu animal alimentação crua, além de um ato irresponsável, é anti higiênico.
A “alimentação natural” já torna difícil garantir a ingestão de todos os 45 nutrientes que um cachorro necessita por dia. A comida crua consegue ampliar este problema ao trazer um aporte desproporcional de proteínas, como acontecia no vídeo da rottweiler. Embora o consumo de proteína seja fundamental tanto para humanos quanto para pets, seu excesso pode prejudicar o organismo de diversas formas, causando danos à pelagem, ao desenvolvimento muscular, à digestão e até ao funcionamento renal e hepático.

A questão nutricional, da alimentação crua prejudicando a saúde do animal poderia ser motivo suficiente para não aderir a prática, porém O quesito higiene é ainda mais complicado, já que a carne crua é sabidamente veículo de parasitas e bactérias como a toxoplasmose, o E. Coli e a Salmonella. Um estudo recente mostra que cães que seguem uma alimentação crua excretam mais bactérias resistentes. Como os pets hoje em dia costumam ter uma convivência bastante próxima com suas famílias e a trocar bactérias com os tutores, isso certamente pode afetar até a nossa saúde, estimulando o crescimento de bactérias cada vez mais resistentes a antimicrobianos.
É comum que o veterinário saiba que o paciente não tem uma alimentação adequada antes mesmo de examiná-lo. Quando vejo um cachorro jovem com atrofia muscular, pelagem seca, opaca e descamativa, desses que ficam soltando pelo adoidado  independentemente da época do ano, já sei que ele não está se alimentando direito.
Esses animais também aparentam ser mais velhos do que realmente são.
A raiz do problema está na falta de informação, e na busca por orientação nos lugares mais inadequados. Os vídeos de pet vieram para ficar, e é muito provável que dicas boas e ruins continuem pululando a timeline de todo mundo que ama cachorros. O importante é saber que as redes sociais são muito mais uma fonte de entretenimento do que de informação científica confiável, e que se virmos uma dica interessante em um vídeo do Instagram, TikTok ou seja lá de onde for, o melhor a fazer é guardar aquele assunto para a próxima consulta com um veterinário de confiança, e da vida real.

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