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Vídeos virais escancaram a relação problemática de alguns pets e tutores

Por:

Dr. Victor Soares

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04/09/2023

O algoritmo das redes sociais sabe que quanto mais vídeos de cães e gatos ele me mostrar, maior é a chance de eu passar horas sem largar o celular. Por isso, aparecem para mim uma avalanche de conteúdo sobre pets. A maioria são fofos, interessantes, engraçados ou educativos, mas também sou impactado com alguns absurdos.
No meio dessa semana, enquanto rodava a timeline das redes sociais, entre os milhares de vídeos curtos que são reproduzidos ininterruptamente, dois chamaram mais a minha atenção.
Ambos com o objetivo de serem engraçados, despertaram em mim uma sensação maior de angústia do que humor.Num deles, um rapaz trabalha de casa com seu cão de porte médio quase grande em seu colo. O cachorro tem seus olhos vidrados no tutor de uma forma obsessiva como se nada mais no mundo importasse além da atenção e companhia dele, que está concentrado em outra tarefa.
Já no outro vídeo uma menina beija seu Golden Retriever com intensidade e ele retribui com um rosnado (nada esperado para a raça). Ela, descontente, diz “Nossa! É assim que você ama a sua mãe?” E após um beijo ainda mais forte ela toma uma mordida no rosto.

As relações que os vídeos mostram são opostas. Um cão que demanda privacidade e distância e outro que tem necessidade de estar grudado com seu tutor como se fossem um só.
Em nenhum dos casos há respeito pelo tempo e espaço do outro.
Eles escancaram a importância da existência de limites na relação humano-animal. E me pergunto:
Por que os cães são tão bons em impor limites e as pessoas tão ruins?

Atendendo dezenas de cães e suas famílias toda semana, e o que mais vejo é, assim como nos vídeos, a ausência ou excesso de limites.
A ausência é sempre por parte das famílias - permissivas e liberais demais - e o excesso é imposto pelos animais. 

Um exemplo de como essas delimitações na relação podem atingir níveis inacreditáveis, conheci um Shiba que dormia na cama com sua tutora, e o marido dela dormia no sofá pois o cachorro não permitia que ele chegasse perto da cama. Se ele se aproximasse, era atacado.
Mas no outro espectro, cães que viram a sua sombra, te seguem pela casa, deitam ao seu lado enquanto cozinha, ao lado do box enquanto toma banho, no seu colo enquanto trabalha e tem a necessidade de ter seu tutor no campo de visão o tempo todo, são casos também problemáticos porém disfarçados de carência.
Por mais fofo que pareça no vídeo, não consigo enxergar a relação do cão no colo do seu tutor com o olhar penetrante como uma relação saudável. É uma dependência exacerbada, uma verdadeira obsessão.
Tentando encontrar a raiz desse problema, acredito que tudo começa com o amor infinito que nutrimos pelos nossos pets. Não que amar demais seja um problema em si, mas é que amamos tanto essas criaturinhas, que fazemos tudo que for preciso para proporcionar plena felicidade e satisfação, inclusive blinda-los de qualquer descontentamento. 
Somos facilmente ludibriados pela sua fofura e por nosso amor incondicional. 

Quando permitimos que o animal faça só o que quer, estamos sujeitos a lidar com personalidades mais exigentes e imponentes.
Eu sei que é difícil pensar com a cabeça e não com coração. A gente tem dó.
A gente tem dó de deixar para fora do quarto, tem dó quando choraminga ao lado da mesa, quando pede pra passear, quando o veterinário coleta sangue, quando se assusta com a chuva…
Esse sentimento constante de pena seguido de permissões vai mandando uma mensagem para nosso animal, e ele pensa “Eu posso tudo”.
Outro dia, atendendo um cão pidão e carente demais, eu dava dicas a seus tutores sobre como contornar esses problemas e me disseram “Mas eu não quero que ele fique chateado comigo”.
Frustrações e expectativas não correspondidas fazem parte da nossa vida, e se quisermos um cão emocionalmente saudável deveria fazer parte da deles também. Negar a um cão um pedaço de comida que ele tanto pede, ou cortar a unha mesmo se ele se debate e reclama, não irá fazê-lo guardar mágoa nem rancor por você.
Por que todo mundo acha bonitinho um cachorro mimado, mas vemos uma criança mimada como algo problemático, resultado de uma pedagogia falha?
O cachorro que não tem determinado o que pode e o que não pode, impõe todas suas vontades sem restrições, fazendo só o que quer na sua vida e deixando de fazer ou permitir coisas que deveriam ser banais. Por isso ouço tantas vezes “Ele não gosta que mexa na orelha, ele não aceita ficar pra fora da porta, não aceita ficar sozinho, não gosta do barulho do aspirador de pó, não deixa que eu pingue colírio nele….”

Recentemente ouvi o caso de tutores que ao receber visitas em casa pedem que se for rir, que deem risada baixinho, porque seu cão não gosta de risada alta. 

Assim como nesse exemplo, cada vez mais as famílias que se adaptam às vontades do animal, e não às suas necessidades. Se desdobram para fazer aquilo que ele quer.

E contraditoriamente, o resultado de tentar proporcionar uma vida completamente livre de insatisfações, é um cão com personalidade de um ditador, constantemente insatisfeito, que exige que tudo seja feito do seu jeito e no seu tempo. 

Eu gostaria que não fosse tão frequente ver pessoas completamente reféns das vontades dos seus cachorros, mas escuto histórias assim todos os dias.
Quando falamos de alimentação as exigências podem ser ainda maiores.
Poucos resistem à súplica que fazem quando querem comer algo.
Tem ainda aqueles com o apetite muito seletivo que têm o poder de induzir a família a lhe dar certas comidas de acordo com sua preferência.
Um cachorro que atendo só come o pão se tiver manteiga. Se oferecer um pão “sem nada”,  não come.
Perdi as contas quantas vezes escutei “Só a ração ela não come não. Só come se tiver um franguinho, uma batata doce, carne moída..” ou “Eu preciso cozinhar pra ela todo dia, se for requentada ela não come, tem que ser feito na hora”.

Nesse ponto deixo de entender quem é dono de quem. 

 

           

 

Imagens capturadas dos vídeos citados no texto. 

 


É óbvio que todo mundo adora a companhia do seu pet, e não digo que devemos deixar de deitar juntos no sofá pra ver tv ou dormir na cama. Não precisamos regredir à forma mais impessoal que os tratávamos antigamente. 

Mas acredito que deve haver um meio termo entre como críavamos cães décadas atrás - no quintal com pouco contato e interação - e hoje em dia, dividindo travesseiro e cozinhando o que eles exigem.
Para mim, no modelo ideal de relação humano-cachorro o animal entende a diferença do que é comida dele e comida de gente. O tutor tem liberdade de mexer na sua orelha, cortar as unhas e tirar objetos da sua boca sem ser mordido. Tem liberdade de fechar a porta do banheiro pra tomar banho, fechar a porta do quarto durante uma reunião importante. Consegue deixar o animal sozinho e sair para almoçar sem precisar voltar com pressa.
Sei que não é fácil conseguir de um cão permissividade, paciência e compreensão.  Dificilmente essa relação ideal acontece de maneira espontânea e pode demandar empenho, dedicação, estudo sobre comportamento e muitas vezes um adestrador para nos guiar. 
Mas o esforço é para que tenha como resultado uma rotina sem chantagens, barganhas nem ameaças, com respeito mútuo pelo tempo e espaço do outro; e a convivência emocionalmente saudável para todos envolvidos.

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